Quando o mais velho do grupo morreu de morte natural, (causada pela aguardente excessiva. Para eles, morte mais natural impossível) fizeram o possível para dar o máximo de dignidade, ligando para o hospital, explicando que havia o corpo de um homem no calçadão da praia. O quarteto estava quase desfeito. O corpo estendido no chão à espera da ambulância, que estava atrasada há um pouco mais de seis horas.
Não adianta falar da vida de cada um dos homens. Personagens desinteressantes até mesmo para eles. Vidas desgraçadas, invisíveis e marginais. Puro mal odor, piolhos, amizade e cachaça barata. Todos os três à espera do carro para levar o corpo do inesquecível falecido companheiro. Restava apenas o Líder contador de história; o louco careca, sem dentes e que reclama do frio; e o mais novo, mais magro, mais negro e que se alegra ao ouvir as fantasias do líder. Seis horas que o corpo se encontra ao chão.
Espera demorada. Seis horas de silêncio e de auto-reflexão. Ora, banhados de revolta, ora, banhados de aceitação. A barreira do irreal é quebrada em vários momentos e existe uma certeza que o morto está vivo e é apenas mais uma brincadeira do Velho Cavalo (assim apelidado o mais velho mendigo). O louco, de vez em vez, dá pequenos chutes no ombro do morto com uma esperança de uma reação impossível.
Sentados na areia, em volta da fogueira, eles escutam a história sobre a vida passada do Líder. Ontem, o mote era sobre os cowboys do faroeste, que viveram nos Estados Unidos. Hoje o tema é a reencarnação. Ontem não tinham cigarros, hoje não têm a presença do Velho Cavalo.
- Era um cachorrinho. Feio, preto e burro. Sonhei com isso outro dia. Passava todo o dia correndo atrás dos carros e vendo os meninos passarem cerol na linha da pipa. Era feliz. Não me faltava comida e amigos. Acho que o Velho Cavalo vai nascer como um animal bem burro. A burrice nada mais é que a felicidade com outro nome.