O Valor do Grave

SÓ É GRAVE AQUILO QUE É NECESSÁRIO, SÓ TEM VALOR AQUILO QUE PESA.

quinta-feira, 15 de março de 2007

A Gigante Zuca


L. era pequeno. Pequeno porque era criança... Não tão pequeno quanto às outras crianças, mas para ele, tudo que era maior que sua altura, se tornava um gigante. Gigante como as árvores, os postes, os maiores da escola ou a camionete do seu pai. Gostava muito das coisas gigantes, principalmente do biombo gigante de sua bisavó gigante. L. não tinha medo dos gigantes.

Era divertido ir pra casa da bisavó Zuca. Principalmente brincar atrás do biombo marrom, amarelo, cheiroso e completo da vovó. Era proibido, mas L. brincava mesmo assim.

Antes do almoço, frango assado, Zuca chamava L. discretamente. Abre o forno e mostra o frango (gigante). – Quer as coxinhas? – pergunta Zuca. – Quero, vó!- responde o pequeno.

Com suas mãos brancas, pegava dois guardanapos (mais brancos que suas mãos) e um em cada mão, arrancava as coxinhas de uma forma mecanicamente e cirurgicamente perfeita. Que privilégio! Comer as coxinhas antes de todos! E antes do almoço! Zuca era a gigante que L. achava mais legal.

Saía pela sala com uma coxinha e cada mão, ora dando uma mordida na direita, ora na esquerda. Devorava rapidamente seu presente, causando a inveja dos primos e a vaidade de Zuca. – Esse menino é um guloso. Na hora do almoço não vai comer nada... to falando... to falando... - nõo limpa a mão na calça menino!... to falando... to falando...

De fato, na mesa, não tinha mais tanto apetite porque já tinha devorado as duas deliciosas coxinhas do frango, agora incompleto, aleijado e sem graça. Não faz mal.

Hoje em dia, L. virou um gigante e quando tem vontade de escrever, pensa sempre na vó Zuca. Tem saudades da gigante vovó, porém, coxinhas de frango no guardanapo, nunca mais.

domingo, 11 de março de 2007

O Padre na Casinha

O padre olha pro chão de cimento sujo de barro vermelho (cor de jerimum). Olha pro teto com telhas gastas (cor de jerimum). Ele sua. Sua como um porco. “Like a pig”. Na Casinha, no banheiro, na privada, se sente tão mortal como os imortais nativos daquela pequena cidade do nordeste brasileiro.


Padre Pumpkin, britânico de sangue, romano de coração. Veio parar nessa terra-de-seu-ninguém mandado pela arquidiocese da capital há mais de um ano, como sansão de suas más condutas praticadas na cidade grande. Como chegou no Brasil, não se sabe.

- Aqui é o inferno! Pessoas se matam a facadas por conta da aguardente! A aguardente é a bebida do Satanás! O vinho não. O vinho é o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém. – pensa o Padre na casinha enquanto seu suor empapa sua velha batina – Essa cidade é quente como o inferno. As pessoas são negras pelo calor e o azedume do local, deve ser parecido com o enxofre “from hell”.

Repara longamente no quadrado de ângulos mal traçados que o circula. No centro, a privada branca amarelada. As paredes, com sua base já negra pelos fungos e musgo. A falta de ventilação do cubículo faz reinar um cheiro intragável. Repara no teto. Um coro de cobra já seco, uma telha quebrada que faz deixar penetrar uma fresta de sol – Essa luz foi mandada por Deus para me auxiliar nesse trabalho de Satã! Filha única é essa luz! – pensa o rabugento padre. Uma ratoeira colocada, não tão simetricamente ao lado da privada – Os ratos se alimentam até de merda! Terra esquecida por Deus! – blasfemeia o padre Jerimum. Uma aranha pequena e azulada desce no teto em sua teia fina e perfeita e estaciona a alguns palmos do rosto do padre para caçoar de sua má condição de mal cagado.

Recém chegado à pequena cidade, tenta explicar ao povo o significado de seu nome, apelidado logo em seguida pelo singelo apelido: (padre Jerimum). – Aborígines! Primatas! Índios ateus! Não respeitam nem um missionário de Deus! Vão todos pro inferno! Malditos abutres comedores de lagartos!

Padre Pumpkin caga. Caga como um Rei. Caga como um touro. Caga e pensa no estupro de sua alma exposta a mais ardente e real miséria humana. – ótima maneira de terminar a velhice... viver para cagar e tentar passar a palavra de Deus na terra dos demônios – ironiza o sacerdote.


Humilhado pela diarréia causada pela carne de porco ou pela galinha cozida, o padre chora. Chora e caga reparando no jerimum da telha e do chão. A aranha humilha o padre cagalhão.

sexta-feira, 9 de março de 2007

Maria Facão

De menina, tem a beleza; de virgem tem o nome da mãe de Cristo; de homem, além da coragem e da força, não tem mais nada; de mulher, tem o carinho e o trato com seus homens; de minérios, tem o aço do vulgo e o carvão da cor. O coração é vermelho.

Maria Facão... Dizem que é tataraneta de um guatemalo, traficante de escravos; Ela diz que tem mais sangue negro do que sangue branco. Seu pai era pescador no porto em Cartagena das Índias, descendentes de puros índios. Maria Facão é amante. Ama pelo simples fato de amar. Ela diz que possui um coração muito grande (de fato, possui amplo e materno busto). Ela diz que além de amar, é preciso dar amor (de fato, possui ancas largas).

Sua mãe, espanhola lhe deu de herança o sangue branco e fulgor com os íntimos. Filha de pai índio e mãe branca nasceu negra, não se sabe como. Não se sabem, de fato, se o pescador que a criou era seu verdadeiro pai. Maria é recheada de lendas. Diz-se filha de Oxum e devota de Santa Ana. Mistura que abala a sociedade de Cartagena... (o horror das mulheres e a ambição dos homens). – Bruxa! Satanás! Vais pro inferno! Oh! Rainha da maldade! – indigna-se a sociedade! – Linda! Dou-te casa, Maria! Faço-te um filho, Maria! Quero ser teu filho, Maria! – indigna-se a sociedade.

Ela não liga... De olhos fechados ou admirando as estrelas ao meio-dia, Maria Facão desliza sobre o chão de calçamento, seu servo.

"Gosto de aguardente;
Gosto do gosto de homem
e comer banana quente."

Maria briga quando tem que brigar.

Maria nada nua. Maria se afoga na noite e dá risadas. Ela geme... geme baixinho, geme com gosto, geme de amor, geme cantando, mas não geme de prazer. Não! Para ela, prazer é coisa séria e tem que ser respeitado. Na cama, Maria não geme.
Geme de raiva. Quando tem que brigar, briga. Bate em soldado, em polícia, em homem, bate em mulher, em padre, bate em índio moço e granfino do Centro. Vai pras feitiçarias dos negros e pras missas dos brancos. Briga, mas só quando tem que brigar. A negra.

Dizem que é valente como homem, pois foi criada pelo o homem mais valente da Colômbia. Não foi criada pela mãe (que dizia que a espanhola também era filha de Oxum). Morreu no parto. Oxum não podia habitar dois corpos ao mesmo tempo. Era a vez de Maria.

Essa Maria... faz o que o Satanás gosta, agradecendo a Deus.
Essa Maria... Os mais cativos dizem que quando morrer vira Santa. A primeira santa de Cartagena. Vê se pode... A rainha da maldade, uma santa... O diabo que ama pelo simples fato de amar.