O Valor do Grave

SÓ É GRAVE AQUILO QUE É NECESSÁRIO, SÓ TEM VALOR AQUILO QUE PESA.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Gorete, O Menino e A Velha Múmia.

Gorete há poucos anos trabalha na casa onde mora o menino. Eram somente ele, a mãe e a avó (velha quase muda, quase morta). Não era a primeira casa na qual trabalhava, mas o trabalho nessa, era o mais fácil de executar. A mãe passa o dia no trabalho e ficam somente o menino e a velha. Essa não reage. Passa o dia sentada em frente ao televisor, hipnotizada pela luz transmitida do aparelho. Se não está olhando a TV, está assustadoramente conversando com os fantasmas de sua imaginação. O trabalho é pouco. Cuidar do almoço do menino, do almoço da velha, uma rápida arrumada nos aposentos e passar a ferro as roupas da casa três vezes por semana. Sobra tempo para Gorete cuidar de suas longas unhas e pensar besteira (coisa que faz como ninguém).

Gó, como gosta de ser chamada, veio ainda jovem, do interior do Ceará. A típica estória da menina que migra pra cidade grande à procura de melhor vida. Se fez como pode. Trabalhou aqui e ali. Sempre com sorriso de crocodilo no rosto, mostrando seus enormes dentes brancos, a preta foi se virando até conseguir se fixar como doméstica na casa do menino.

Desde que lá chegou, se impressionara com o menino: “Menino branco e magrelo. Sempre com cara de fome e sede. Calado como a avó. A mãe, coitada, trabalha tanto que não tem tempo para ele. Mas o menino não está mais na idade de carência de mamãe. Já beira os treze anos e está na idade de descobrir o mundo”. Depois de tanto filosofar, Gorete afirma que o problema do menino é a falta de um pai. Dele, nunca se ouviu falar.

Negra de grandes olhos, sorriso, peitos e ancas. Deliciosa. Já namorou com homem casado que era da polícia. Já namorou com vários. Gorete, devoradora de homens. Colecionadora de homens. Gó é sensível e tem pena do menino. – Já está crescendo, coitadinho. Tá ficando bonito. A falta desse menino é de um pai e de umas boas coxas.

Certa manhã chuvosa, a negra antes do almoço, resolvera se refrescar na grande bica do quintal, feita pela água da chuva. Com um micro-short jeans e uma camiseta branca, Gorete deixa a água pesada cair sem pena em seu corpo. A camiseta branca, tipo top, deixa transparecer os bicos negros de seus peitos e no short, se sobressai a marca da calcinha. O menino assiste a esse espetáculo atrás da porta da cozinha. Com medo de ser descoberto, ele volta a cabeça para dentro da casa para ver se a avó continua seu sonambulismo em frente ao televisor e olha novamente para a negra. Nunca vira antes uma moça nua (ou quase nua). Gorete sabe que está sendo observado e isso para ela é diversão.

Fim do banho, Gó volta para se enxugar, trocar de roupa e servir o almoço do menino. Ele, percebendo o termino do show, correu para o quarto tentando acalmar sua inevitável biologia adolecente. Tenta pensar em algo sóbrio. Pensa no seu cachorro que morreu de uma doença que esquecera o nome. Pensa na situação moribunda da avó, no pai que nunca conhecera e até na ausência da mãe trabalhadeira. Infelizmente não consegue tirar da cabeça os dois bicos do peito da empregada, que rijos, tentam inutilmente furar a camiseta branca. Seguidamente, vem a imagem da sua enorme bunda injustamente comprimida pelo short. O menino não consegue se acalmar.

Gó chama o menino para a ceia. Ele caminha até a cozinha e duro como um robô, senta-se à mesa. Tenta com todas as meditações e concentrações, não olhar para a moça. Olha a comida e sente fome. Gula. Olhando fixamente para o prato, mastiga com arrogância o pedaço de carne cozida. Imagina as pernas de Gorete. Imagina que o sabor da carne dela, é parecido com o sabor daquela carne macia. Suculenta! Luxúria! Repete o prato e toma mais suco. Sempre olhando para o prato, ouve a negra provocadora cantarolar enquanto prepara a papa (um pouco de cada coisa, tudo minuciosamente amassado com o garfo) da velha.

De tão concentrado que estava em não reparar em Gó, ele nem notou quando a negra se ausentou da cozinha. Ela já estava na sala, de cócoras em frente à velha, levando à sua boca com uma colher, aquela gororoba intraduzível. Não reparou no início, mas quando reparou que estava só, não tardou em fugir daquele ambiente hostil. Voltar para o quarto, seu porto seguro. Seguro principalmente da presença a negra diabólica. No quarto permanecerá até a hora que tiver certeza que a ela foi embora. Até a hora de sua mãe voltar. Não importa o tempo. Do quarto não sairá até se sentir livre de seus pensamentos imorais ou até curar aquela paixão.

No caminho para o quarto, a última olhada na musa, que de costas, com outra roupa seca (não sabe-se porque imaginou que ela ainda estava com a roupa molhada), ela faz aviãozinho com a comida até a boca banguela da velha. Trabalho entediante, porém executado com destreza pela empregada. O menino observa a negra de cócoras, com seus pés pequenos e marrons, que apóiam todo aquele corpanzil. Ela está de costas para ele e isso o deixa seguro para observar por alguns segundos (ela sabe que novamente está sendo observada). Repara nos quartos apontados para o chão e nos músculos de suas pernas, já estressados pela posição. Analisa seu pescoço bem desenhado e seus cabelos ondulados e presos por um rabo de cavalo. Observa mais um pouco e serenamente se caminha para o aposento, tendo a certeza que nunca mais tirará Gorete da cabeça e do coração. A negra ri o seu riso de crocodilo. – Vamos, vovó. Só mais uma colherada e pronto. - a velha corresponde e sorri seu sorriso sem dentes, contraindo e enrugando todo o rosto.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Barriguda.

Pela segunda vez, a gata está grávida. Na primeira gestação, quase morre e quase perde a ninhada. Um carro vilão atropelou a coitada. Não era a hora dela, ou talvez ainda restasse uma vida das sete que possui. Resultado da ópera: não morreu e seus filhotes nasceram sãos. Agora, novamente ela vai colocar outros no mundo e felizmente, nenhum malfeitor tentou interferir.

Gata vira-latas, sem endereço certo, passa temporadas no bar da esquina. Inerte, ela se deita aos pés dos velhos bêbados e descansa sua imensa barriga com suas tetinhas cheias de leite. – Desta vez, ela vai parir sete ou seis. – Comenta um deles, enquanto faz cafuné na sua cabecinha dourada. O futuro dos filhotes é incerto e tal fato preocupa o dono do bar que pegara afinidade com o felino. Preocupa-se, pois não quer mais gatos no estabelecimento. – Gata de rua é assim mesmo. Dá e pari... Dá e pari...

O acidente que quase rouba a sua vida e de seus filhotes ainda dentro do ventre, aconteceu na frente do bar. O carro passou no mesmo momento que a gata atravessava a rua. Já estava bem barriguda e lenta, não conseguindo esquivar do gigante motorizado. Todos os fiéis bêbados estavam presentes e viram a cena. Uns tamparam os olhos (ou somente um olho), outros levaram as mãos à cabeça. Só se ouviu o estridente miado de susto do animal. – Esmagou-lhe as entranhas! – exclamou o mais afobado. Para a surpresa de todos, a gata corre para dentro do bar e se esconde na mesa de sinuca. – Ainda vive! – mais exclamações.

Deram horas de vida para a gata e quando passaram essas horas, deram dias. Ela não morreu, pariu e engravidou novamente (preocupação desnecessária para o dono do estabelecimento). Na vez passada, conseguiu um lar para dois dos gatinhos. Os outros três, depois de desmamados, foram jogados à sorte na praça próxima. – Agora a vida toma conta. Cada um por si e que São Francisco cuide deles.

É fim de tarde e começo do expediente. O dono do bar serve as primeiras cervejas e cachaças para os primeiros clientes. Enquanto corta as laranjas para tira-gosto, repara na barriga da gata deitada aos pés de um cliente. Ela cochila com o cafuné e com a barriga barriguda para cima, descansa do ócio. Não se lembra do acidente. Sem traumas psicológicos, pois gatos de rua não sofrem por traumas.