O Valor do Grave

SÓ É GRAVE AQUILO QUE É NECESSÁRIO, SÓ TEM VALOR AQUILO QUE PESA.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Abraço de Urso.

Ele:

Ao ouvir a campainha estridente, ele corre para abrir a porta: Era ela. Só por brincadeira, abre uma pequena fresta e fala com uma voz séria, imitando um sinistro porteiro, que só a deixará entrar, se ela fornecer a senha secreta. Ela ri. Como fosse a primeira vez, ele repara na brancura da pele perfeita da sua amada. Repara também naqueles olhos verdes. Ela empura a porta e recebe o abraço de urso (aquele abraço que a força física é relativa a quantidade de saudade que sentem). Abraça-a forte e a ergue. Pequenina e leve, ela reclama da força do abraço, mas sente-se feliz. Ele também. O beijo. Aquele beijo meio apressado e ansioso. Beijos e beijos. Sente o gosto e o cheiro do batom. Mesmo não gostando muito do gosto, se acostumou e sabe que em pouco tempo, depois de mais alguns beijos futuros, não restará nenhum indício do cosmético desnecessário. Passa a mão no pescoço dela e enconsta o nariz para sugar todo o odor do perfume já conhecido. Colam os rostos. Novamente repara nos olhos verdes dela. Verde absoluto. Pede para que os feche e aplica nas pálpebras inúmeros beijinhos.

Ela:

O fim-de-semana está próximo e depois de uma tumultuada semana, o que ela mais precisa é do carinho dele. Daquele jeito. Do jeito dele. Dele. Preparando-se para ir ao apartamento no qual seu amado morava, ela se sente bem. Prevê o descanço e o conforto ao deitar no peito nu de seu amado. Mesmo antes de ir, sente-se preguiçosa e confortavel premeditando a tranquilidade certa que está por vim. A cama, o velho sofá azul, a bagunça acumulada. Já no carro, com o som ligado na rádio, ela canta durante todo o trajeto músicas da moda. Feliz por mais um fim-de-semana que passará ao seu lado. No elevador, subindo para o andar desejado, ela passa o batom e ajeita o cabelo vermelho, injustamente assanhado pelo vento da tarde. Toca a campainha e prepara-se para o abraço de urso (aquele abraço que a força física é relativa a quantidade de saudade que sentem).

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Depois de Tantos Anos.

Enfim, Raul e Cinara, terminaram a noite num modesto motel. Modesto comparado aos outros suntuosos do mesmo bairro, com letreiros iluminados por chamativos néons e com apelativas propagandas: Promoções para jovens amantes estudantes-universitários, camas redondas King, ar condicionados, geladeiras, banheiras e até garagens privativas. Porém o motel escolhido não tinha nada disso. Não tinha nem garagem privativa. Foi necessário entrar no motel a pé. Mesmo sendo de madrugada, a rua do motel era movimentada e eles não tinham vergonha de serem vistos. Entraram no motel barato, aos olhos de quem quer que fosse. Não tinham porque se esconder. Para quê garagem privativa se nem carro tinham? Eles caminharam a pé, de mãos dadas até o motel, como estivessem a caminho de um cinema. Claro que o dinheiro que tinham, não dava para usufruir um motel mais caro, mas detalhes são apenas detalhes, em todos os sentidos.

O motel era um prédio baixo e largo. Vários quartos em um mesmo andar. Raul escolhera um quarto qualquer. Numero 209. Segundo andar. Somente dois lances de escadas no qual sobem conversando assuntos desconexos para evitar o silêncio. Nervosismo e ansiedade. Os degraus da escada são revestidos por um carpete vermelho sujo. Muito mal-gosto. Existem sensores de movimentos que ligam automaticamente as luzes da escada. De tantos em tantos degraus, uma nova luz ascende onde reinava o breu. Ao caminharem pelo corredor do segundo andar, Raul procura o quarto indicado pela placa de acrílico enganchada na chave dada pela recepcionista robótica. Cinara escuta ruídos e exclamações dos quartos vizinhos. Detalhes.

Raul, com mãos trêmulas, conecta a chave na porta e com mais força que jeito, abre-a e permite a entrada dela antes. Coquetismo. Cinara entra. Olhos no chão, olhos no quarto (repara em todos os detalhes cafonas) e olhos novamente no chão. A cama está limpa, com uma colcha amarelada, com hologramas orientais estampados. Duas fronhas do mesmo tecido revestem os dois finos travesseiros. Ela repara em um quadro velho e desbotado, com uma imagem (um vaso com duas magnólias quase murchas) pintada. Lembra-se de um quadro exatamente igual que tinha na casa de seus avós. Cinara vai até a janela que dá vista para a rua, pensa na infância. Lembra-se de Petrópolis. Raul tira a camisa e senta na cama, experimentando-a e aprovando-a. Em outro plano dimensional, com o pensamento longe, sua moça, encostada na janela, observa a rua.

Era uma casa simples. Moravam somente o avô e a avó. Velhinhos simpáticos, tipos clássicos (é assim que na lembrança as imagens eram interpretadas). Morava também a negra Salete, ou tia Salete, a velha governanta da casa e profissional em bajular a criançada com doces e quitutes. Cinara viajava para Petrópolis, para a casa dos avós duas vezes ao ano. Lembra-se de muitas coisas. Do avô na sua clássica biblioteca, na avó no seu clássico fogão a lenha e no clássico frio da cidade serrana. Lembra-se que na sala, perto do corredor possuía em sua parede um quadro com flores roxas. Os quadros com flores tendem a ser felizes, pois elas, as flores, representam as cores, a vida, à alegria e a primavera. Mas aquele quadro era triste. Duas magnólias murchas em um vaso amarelo ouro. As flores murchavam a alegria do quadro e de toda a sala.

Enquanto Cinara caminha lentamente para a cama por um lado, Raul levanta-se pelo outro e vai ao banheiro, trancando a porta. Olha para o espelho. Aproxima a cabeça fitando seus olhos refletidos. Aproxima até encosta o nariz e volta à posição normal. Faz novamente o mesmo movimento e ao encostar seu rosto em seu reflexo, torna-se um ciclope. Somente um olho possui. Ele se recorda de um conto de Cortázar. Volta à posição normal. Ereto. Olha para as mãos e passa-as no rosto oleoso. Tira a calça jeans e a cueca. Fita seu membro ainda flácido e durante alguns segundos, acontece uma comunicação telepática entre eles. Respira fundo e lava o rosto e o membro com o sabonete em formato de um coração gordo e achatado, comuns em motéis baratos. Depois de enxugar-se, se enrola na toalha do motel. Respira fundo mais uma vez, dá a ultima olhada no seu reflexo amarelo e abre a porta voltando para o quarto. Tinha que segurar o touro pelos cifres. Além do mais, depois de tantos anos...

Cinara está deitada com seu corpo coberto apenas pelo lençol amarelo. Nua. A luz do quarto está apagada e somente a do banheiro, no qual Raul acabara de sair, deixando a porta entreaberta, é o que dá a pouca claridade ao recinto. O reflexo da baixa iluminação faz com que os olhos dela recebam um brilho inédito. Pela primeira vez, Raul que tanto olhou para aqueles olhos negros, nota aquele brilho. Também, é a primeira vez que ele encontra-se nesse grau de intimidade com Cinara. Com outras, sim, mas com ela, nunca. Sempre foram amigos e ele, por ela, sempre enrustiu uma paixão. Cinara sempre menosprezou os galanteios de Raul, mas depois de anos, ela resolvera ceder. Para ela, uma simples aventura. Para ele, uma odisséia, uma conquista. Raul pensa que aquela luz é natural de todas as mulheres que estão prestes a copular. Não a ama, mas a deseja como nunca. Somente a luz do banheiro acesa.

Raul aproxima-se da cama. Cinara levanta-se, ficando de joelhos no colchão, com um braço segurando o busto que segura o lençol. Ele puxa-a pela cintura até encostarem os corpos. Beijam-se. Raul acaricia suas costas nuas e passa a mão em suas nádegas. Passa os dedos no seu cabelo e beija o seu pescoço. Novamente fita os olhos brilhantes quase molhados de Cinara e pensa em todos os momentos em que a desejou e foi menosprezado. Trás até as narinas uma mecha do cabelo dela e inspira lentamente. Sente um cheiro de açúcar. Finalmente ela cedeu e resolveu pecar com ele. Enquanto saboreia o cheiro doce do cabelo dela. Não sente gratidão. Sente várias coisas. Raul examina a boca de Cinara. As bocas enchem-se de saliva. Gula. Ele fecha os olhos e beija-a novamente. Ela corresponde ao beijo, mas não fecha os olhos. Cinara observa novamente o quadro das magnólias atrás dele. Pensa na avó e na infância. Lembra-se da bucólica casa em Petrópolis.