O Valor do Grave
SÓ É GRAVE AQUILO QUE É NECESSÁRIO, SÓ TEM VALOR AQUILO QUE PESA.
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Monólogo da Paz
Postado por L. Modesto às 04:58
domingo, 22 de fevereiro de 2009
Um Simples Conto Sobre o Fascínio
Era uma noite quente. Daquelas que o sono demora e dormir se torna quase impossível. Deitado em sua cama, Danton medita sobre a vida e as paixões. Está fascinado por uma linda moça que viu no fim de semana passado. Acende um cigarro para pensar melhor. Como em um flashback cinematográfico, recorda o episódio.
A boemia faz parte da sua rotina. Sem pesos e medidas, criatura noturna, Danton migra pelos bares de Fortaleza. Sempre só. Em um deles, no qual era freguês cativo, encontra conhecidos. Pequenas politicagens e sorrisos amistosos garantem a possibilidade de tomar seu uísque sem perturbações inoportunas. Sempre só. Uísque com gelo. Obrigado.
Senta em uma mesa escondida nos fundos do bar. Abrindo um jornal esquecido na mesa pelo antigo cliente que lá estava, procura o caderno de esportes. Seu time do coração, mais uma vez perdeu a última partida. Repara que na mesa a sua frente está sentada, também só, uma linda criatura. De cabeça abaixada, lendo um grosso livro. Estava concentrada, talvez alienada a todos a sua volta. Seu cabelo comprido e caído, faz sombra em o seu rosto, tornando sua face invisível. Danton fixa o olhar nas madeixas da moça. Curioso. Cabelo ondulado e farto. Fios finos e leves fazem o contorno perfeito em sua cabeça. Castanho. Cor sóbria que ora vai clareando, e ora vai escurecendo. Forma um degradê amendoado. Chocolate e mel.
Danton desce o olhar para seus ombros e repara na linda cor de sua pele. O ambiente estava relativamente escuro, mas ele consegue ver que a moça desconhecida, possui de uma pele morena clara, bronzeada, que combina perfeitamente com a cor do seu cabelo. Além do livro estacionado na mesa, encontra-se uma garrafa de água mineral.
Maquiavélico, ele assovia alto e agudo, como se chamasse impacientemente o garçom. Queria a atenção dela e assim, olhar finalmente para seu rosto, conferindo se é exatamente como imagina. O estridente barulho quebra o raciocínio de todos. O garçom, velho e preguiçoso, sentado atrás do balcão, faz sinal que está a caminho com a sua bebida. Os outros clientes olham, mas logo voltam às suas meditações. Ela, também, como se saísse de um encanto, levanta a cabeça e olha na direção do anarquista, exagerado e barulhento. Finalmente eles trocam o primeiro olhar.
Após o estridente barulho e de ter sua concentração cortada pela inconveniência dele, ela o encara. Ele esboça um singelo sorriso tímido e amarelo, que foi inesperadamente correspondido por outro sorriso dela. Rosto redondo de menina. Linda. Flor. Possuía uma tez rosada como sofresse de uma timidez natural. Pouca maquiagem. Beleza discreta e fascinante. Olhos pequenos, discretos e puxados. Nariz agudo, nobre e perfeito. Beleza ímpar. Boca bem desenhada com lábios simétricos e gentis. Apetitosos. Ao sorrir, clareia todo aquele ambiente, como se ascendessem uma grande luminária. Repara em seus dentes. Brancos e iguais. Os dois dentes da frente são milimetricamente separados, que dá um charme incomum naquela obra de arte. A Lolita de Nabokov. A Eugénie de Balzac. Mais uma vez, Danton se fascina à primeira vista.
Vestida com uma simples camiseta branca e jeans (ele repara em tudo), depois do amistoso sorriso, ela retoma a sua leitura enigmática. Um sorriso cordial já foi o bastante e serve como prêmio de consolação para o jovem. Ele continua observando, fascinado, hipnotizado. Presta atenção em todos os sutis movimentos dela. Observa como, ao ler sozinha, compenetrada, ela move lentamente os lábios. Cada movimento é uma poesia.
Passando um quarto de hora, a moça fecha o livro, deposita uma cédula embaixo do copo vazio e vai embora.
Deitado na cama, Danton pensa nela. O que ela estaria fazendo sozinha naquele bar? Que livro lia? Qual seu nome? Talvez goste de poesia e música internacional. Jazz, rock e música moderna. Quem sabe ama cinema europeu e crie animais nos quais recebem carinhos e mimos. Pequenos felinos ou cães peludos. Ela teria alguém? Alguém que a faria sorrir? Como quem colocou o dedo na tomada, Danton sofreu o choque do fascínio. O choque da curiosidade. A frustração de não ser correspondido. Fará de tudo para encontrar novamente aquela moça. Migrará por todos os bares e livrarias da cidade. Terá aquela flor em seus braços. Beijará sua boca e irá cheirar seu cabelo (cheiro de flor). Cria planos e ensaia possíveis diálogos. Enfim o sono chega dominante. Danton lentamente dorme. Talvez sonhe com ela.
Postado por L. Modesto às 22:24
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009
Crônica do 433
Sempre fugi do sono, uma vez que não via lógica em acordar antes das dez da manhã. Às vezes não dormia e mesmo assim ia ao colégio, sonâmbulo ou meio zumbi. Às vezes, simplesmente não ia. O fato é que nesse período estava mais dedicado aos estudos, pois com algum sacrifício, minha mãe me matriculara no Colégio Anglo Americano. Era um tradicional colégio localizado em Botafogo que só tinha aulas no período da manhã. Contrariando minha vontade, me esforçava em acordar cedo.
Pegava o 433 na Avenida Osvaldo Cruz no Flamengo, no último ponto antes da praia. Era perto do apartamento no qual morávamos na Rua Senador Vergueiro. Exatamente as seis e quarenta e cinco da manhã o previsível coletivo parava. Já dentro, acomodado ou não, ao caminho para o colégio, admirava toda a paisagem natural e urbana como se a visse pela primeira vez. A linda praia de Botafogo acortinada pelo Pão de Açúcar, o edifício Argentina, o edifício espelhado da Telemar, o resto do Aterro do Flamengo com seus chafarizes, mendigos e estátuas e o Clube Botafogo. No túnel, puxava a cordinha e descia para mais um dia de física, matemática e química. Coisas inúteis e sem poesia, diferente de toda a paisagem admirada.
Lembro-me claramente da espera pelo ônibus. Chegava ao ponto e acendia um cigarro (os maravilhosos cigarros dos meus quinze anos). O bendito transporte nunca permitia terminar-lo, pois como já disse, ele era pontual e eu não.
No inverno carioca, as manhãs frias são cobertas por uma garoa leitosa e cheirosa. O céu é cinza e o percurso até o ônibus era, de certa forma, prazeroso. Penetrava a névoa com meu walkman. Cantava mentalmente, desviando das bostas de cachorros acumuladas na calçada. No verão, já fazia calor de manhã. Acordava mais mal-humorado, menosprezava o walkman e as bostas fediam mais.
Lembro dos personagens que faziam parte desta minha viagem de vinte minutos até o colégio. Tinham os fixos e os aleatórios. Fixos como o homem gigantesco que subia dois pontos depois do meu. Era halterofilista ou coisa do tipo. Músculos enormes. Uma anomalia. Ocupava sozinho dois bancos e não se preocupava com os passageiros que iam em pé; O peruano que era muito parecido com o Che Guevara; Ainda tinha o homem de paletó e os outros garotos estudantes sonolentos como eu. Figuras aleatórias e inesquecíveis quebravam a rotina e divertiam os espectadores. Uma vez adentrou uma mulher que parecia um cotonete (magrinha e com cabelos curtos e brancos); Um punk com toda a indumentária anarquista, voltando logo cedo da manhã, quem sabe, de alguma festa absurdamente louca que coisas incríveis aconteceram. Outra turma de passageiros que nunca me esquecerei, eram os nordestinos que iam ao trabalho. Fazia questão de sentar perto deles e acompanhar seus diálogos, seus sotaques e suas estórias, matando um pouco a saudade da minha terra natal.
Fiz inúmeros amores platônicos nesse trajeto: Meninas e mulheres. Moças lindas ao caminho do colégio, da faculdade e do trabalho. Às vezes ia mais arrumado e caprichado. Rezava para sentar perto das minhas musas e ensaiava diálogos possíveis. Como todo sonhador, sonhava muito e realizava pouco. Os diálogos possíveis eram impossíveis, pois quando sentava ao lado delas, ficava mudo. Nunca fui notado por nenhuma delas.
O tempo passou e fiquei mais sério e menos poético. A rotina e o mundo repleto de informação, nós obriga a apagar da cachola certas memórias. Porém, algumas, eu me recuso em abandonar. Como disse, o tempo passou e as coisas estão diferentes. Impossível escrever sobre minha adolescência, na sua mais completa essência. Nasci em Fortaleza, mas tornei-me homem no Rio de Janeiro. E assim a vida levou-me de volta para a terra das minhas origens (terra também querida) e abandonei, de fato, a outra cidade amada. Infelizmente muitas coisas já apagaram, mas outras, felizmente, insistem em permanecerem latentes. Sinto saudades. Saudades dos meus quinze anos, do Rio e do ônibus 433 vermelho-alaranjado.
Postado por L. Modesto às 05:21