O Valor do Grave

SÓ É GRAVE AQUILO QUE É NECESSÁRIO, SÓ TEM VALOR AQUILO QUE PESA.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

O Sacrifício

Não mais de duzentos metros separava a masmorra do altar destinado aos sacrifícios. Caminho curto, onde o réu anda a passos lentos, encoleirado por uma corda ordinária, porém atada com um nó profissional. Esse, com quase sessenta quilos é guiado por o seu próprio carrasco. A platéia é numerosa e mantém o silêncio. O cheiro é o inconfundível de morte prenunciada.

O Natal está próximo e o carneiro está cada vez mais gordo. Separado, o animal agora recebe uma dieta especial à base de farinha, milho, verduras e capim com melado... muito melado. – o melado serve pra deixar a carne mais mole e tira o cheiro de macho – diz a sinhá.

Três homens esperam o animal para o sacrifício. Um dos homens entrega o machado ao carrasco de uma forma épica, lírica e decidida. O carneiro sabe o que está prestes a acontecer e com um simples gesto de súplica, olha para os homens ao seu redor. –
Béééé!! – implora por piedade o mártir. Uma menina de vestido rodado coloca as mãozinhas no ouvido. Ela torce pelo ruminante. Um menino hipnotizado aguarda com ansiedade o espetáculo, que com esse, forma o quarto assassinato onde foi testemunha ocular. Viu um de um boi, de dois porcos e de várias galinhas (estas, não costuma acrescentar à sua coleção).


O carrasco, experiente e especialista na arte de matar bodes, cavalos de patas quebradas, cachorros com calazar, bois, galinhas, porcos e burregos mal-paridos, fora chamado de outra fazenda só para maestrar o sacrifício. O moreno, que é bruto, descalço e sem camisa, levanta o machado com firmeza fazendo mira. Com a parte posterior da ferramenta atinge a testa do animal com força. O pobre bicho treme as patas dianteiras e abaixa a cabeça tonta. Não transmite som algum e espera, talvez, por um próximo golpe. Levanta os olhos amarelos e já sem visão, tentando entender o que está acontecendo. Depois de poucos segundos, tomba pra frente equilibrando-se apenas por suas patas traseiras que se mantêm duras como paus.


É um carneiro grande e por isso é preciso dois homens para derruba-lo ao chão. O animal sente muita dor e desespero. Tenta pronunciar algum gemido, mas a garganta está presa e ao abrir a pequena boca, somente sai uma linha de sangue e saliva que toca até o chão.

O fino punhal sai da calça do carrasco e percorre graciosamente pelo pescoço do bicho a procura do ponto certo para a perfuração. Esta é a parte mais difícil do trabalho, mas logo encontra o local exato. Com a astúcia de um espadachim, o homem penetra o punhal até a metade de sua lâmina e rapidamente retira a arma do buraco aberto no pescoço vivo do animal, limpando o pouco sangue no seu próprio couro. Jorra um primeiro jato vermelho vivo, de sangue vivo, do animal ainda vivo e suja toda o braço do matador. Não existe mais dor, mas o desespero é enorme e o pobre ovino abre a boca muda inúmeras vezes na tentativa de berrar em nome da desgraça. Em poucos segundos o animal estará morto.

Um segundo jato vermelho chapado, quase preto, de sangue morto, jorra da ferida. A sinhá, com seus peitos enormes, corre junto ao animal e coloca uma bacia de tamanho mediano perto do morto, que é levantado por uma corda amarrada pelas suas patas traseiras.

Já erguido, o próprio matador, com um leve pontapé, coloca a bacia bem embaixo da cabeça do animal que logo ficará cheia de sangue (matéria prima para o sarapatel).

É o fim do espetáculo e os espectadores, aos poucos voltam aos seus afazeres. O carneiro será tratado, limpado e até os ossos e o couro serão aproveitados. Resta somente uma pequena pasta de sangue negro no chão que serve de iguaria aos cachorros ordinários da fazenda.