O Valor do Grave

SÓ É GRAVE AQUILO QUE É NECESSÁRIO, SÓ TEM VALOR AQUILO QUE PESA.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Ainda Nostálgico...

Era um tal de fazer nada, gostoso. Domingo, acordando de um sábado aventureiro, um pouco antes do almoço, fugia para o antigo sítio do meu pai. Eu e Chica, minha cadela companheira. Os dois no carro. Eu, preguiçoso, abastecido de cigarros e vestindo óculos escuros. Chica, tentando se equilibrar em pé no banco do passageiro - cabeça para fora da janela, língua mole e latidos fáceis. Pegávamos a estrada do Velho Timbó.

Nessa época, movido por algumas questões paralelas, meu pai não mais freqüentava o sítio aos domingos e lá não apareciam seus convidados. Enfim, o sítio era meu. Metaforicamente usucapido.

Descia do carro e respirava fundo. Adorávamos (Chica e eu) aquele lugar. Enquanto dava as primeiras ordens ao nosso caseiro e amigo Luis, Chica corria rumo à diversão.

Tudo era impecável e bonito. A casa era pequena e toda pintada de cor-de-rosa. Era rodeada por uma ampla varanda. Redes e espreguiçadeiras ficavam à disposição. Tudo era organizado. Muito verde. Plantas e mais plantas. As árvores de copas fartas deixavam o terreno fresco e sombreado. Lá, dependendo da época do ano, tiravam-se tudo. Tinha coco, mandioca, caju, carambola, limão, mamão, acerola, ata, serigüela, pimenta, tamarindo, manga e abacate. Criávamos peixes num grande tanque de cimento construído perto do deck. Tomava meu uísque no tanque de água corrente. Uma bica molhava minha cabeça e os pequenos carás,beliscavam os dedos do meu pé.

O sítio era cuidadosamente administrado pelo Luis. Caseiro e homem de confiança. Calado e de pouco riso. Moreno de sol, realizava o serviço de forma mais que discreta. Era quase invisível. Um fantasma. Só notávamos sua presença depois de prestar bastante atenção. Ele e Socorro, sua mulher, cuidavam de tudo. Alimentavam os animais e os patrões sem preferência e hierarquia. Luis comandava até o churrasco quando requerido. Socorro cuidava da casa e do almoço. Mãos mágicas. Fazia deliciosas galinhas e patos cozidos de se comer rezando.

Bem alimentado e com algumas doses de uísque na cabeça, deitava na rede preferida e esperava o tempo passar. Chica, agora cansada de correr atrás das galinhas d’angolas, descansa sob a minha sombra embaixo da rede. O domingo passava devagar. O frio da serra de Pacatuba duelava com o mormaço natural. O céu azul e sol brilhante deixavam-me relaxado. Todas as janelas da alma abertas.

Antes de ir, um último mergulho na piscina. Algumas braçadas para alongar as costas. Enxugava-me com a toalha com cheiro de eucalipto.

Já com o carro ligado, dava a mão ao caseiro, agradecido pela recepção e chamava a cadela – Vamos, Chica! Pra casa! Acabou a farra! – Ela vinha correndo, disposta e também agradecida por mais um domingo de diversão. Ganhava o último afago de Luis e saltava para o carro.

Hoje, o sítio tem outro dono e não tenho mais notícias do meu velho amigo caseiro fantasma e os domingos em casa custam mais a passar. Olho nos olhos da Chica, e vejo que ela também sente falta das suas amigas galinhas d’angola barulhentas.