O Valor do Grave

SÓ É GRAVE AQUILO QUE É NECESSÁRIO, SÓ TEM VALOR AQUILO QUE PESA.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Seu Zezo

Brincando, brincando, me vem a memória, a incrível figura de seu Zezo. Histórico na minha infância e um dos personagens favoritos da minha juvenil imaginação


Motorista de nossos vizinhos, seu Zezo com certeza não tinha uma vida tão espetacular, porém significativamente abençoado pelo dom da prosa e da fantasia, minha cabeça criou um personagem peculiar. Um verdadeiro aventureiro.

Seu Zezo ou Raimundo, nasceu há mais de 60 anos na cidade de Cedro, interior do Ceará. Trabalha como motorista há mais de 20 anos. E sempre para o Doutor Antônio Carlos, obstetra e com mais ou menos a mesma idade de seu Zezo. – Conheci o Doutor Antônio na noite. Eu era motorista de táxi. Você sabe que também já fui motorista de táxi, né? Aquele tempo era uma maravilha...- (para seu Zezo, tudo no passado era uma grande maravilha. Achava que ele tinha razão).

- Já morei no Sul. Lá em São Paulo. Lá, além de ter trabalhado no circo, trabalhei como carcereiro. Os bandidos tinham o costume de me chamar de Baiano Branco.

- Eu lavo a camionete do seu Antônio todo santo dia. Tá vendo essa cera? Ela é própria pra camionetes. Foi comprada lá nos Estados Unidos. Foi seu Antônio que mandou trazer... Gente boa, seu Antônio... O tanto de dinheiro que ele tem, nunca buliu na cuca dele.

- Eu, na sua idade, tinha um garrote. Grande! Gordo! Tinha uma corcova tão gorda que pendia pro lado. Cê sabia que a corcova do boi é igual a dos camelos? Serve pra guardar água pra época do seco. É todinha cheinha d’água.

- A gente ouve estórias de presos fazendo confusão na cadeia, hoje em dia. Naquele tempo não. Naquele tempo os presos respeitavam os carcereiros, polícia e até padre! Cê sabia que uma vez, lá em São Paulo, tive o prazer de conhecer um padre que foi preso? Pois é... Homem de muita cultura.

- Em São Paulo, eu já trabalhei em circo. Sabia? Hahaha.

- Eu também já criei um tatu. Criava dentro de uma lata grande, quase da minha altura, toda cheia de areia. Era desse tamanho oh... oh...

- Eles me chamavam de Baiano. Eu não sei! Imagino que pra eles, todo mundo que vem do norte é baiano. Já conheci muito baiano, mas nenhum se parece com o meu povo do Cedro. Não que baiano não goste de trabalhar, mas porque o meu povo do Cedro é muito trabalhador.

- A vida no Cedro era uma maravilha. Não podia reclamar. Só peguei desgosto quando meu pai desfez meu garote.

- Todos os dias quando voltava da cadeia, ia pra casa de Naná. Era comida na mesa e lençol lavado. Até a minha pinga a crioula deixa separada. Era uma maravilha.

- Toda tarde eu colocava um pires de leite e o danado do tatu saia do buraco e ia beber o leite. O povo diz que tatu come defunto, mas é mentira. Tatu é um mamífero! Bebe leite como eu e você. Não come defunto não, Lucim.

- Oh... crioula danada, essa Naná...

- Meu garote tava grande, menino. Gordo que só vendo. Forte! Eu montava nele e era tudo uma maravilha. A corcova ia prum lado e pro outro. Uma vez o Pai chamou e disse: Raimundo! Raimundo! Seu garote tá muito gordo e dando muito prejuízo. Ou a gente vende pro seu Inácio, ou a gente mata e come. Fiquei danado, mais por medo do que por outra coisa. Já pensou? Perder meu garote que eu tanto cuidava? Fiquei tão danado que quebrei duas cabaças de água. Levei uma surra e não se falou mais nada sobre o garrote, até que duas semanas depois, o bichinho virou nosso jantar por mais de um mês.

- Conheci Naná no baile, lucim... namorava com outra.

- Ah... esse padre... não me lembro o nome. Cê sabia que padre é povo de muita cultura? Um homem pra entender nas coisas do Céu, tem que entender de quase tudo que se passa na terra. A única coisa que padre não entende, é de mulher. Hahaha!

- (...) já viu que menina mais linda, essa? Mesmo com a minha idade, num tenho medo de mulher, não!

-O homem só é cem por cento corajoso quando perde o medo da miséria e da solidão. Já perdi faz tempo...

- Eu tinha um cachorrinho, também. Mas isso já foi lá no sul...

- Já te contei como eu virei taxista aqui em fortaleza?

- Me apaixonei por Naná à primeira vista! Isso existe, menino!

- Você quer saber o que aconteceu com o meu tatu? Ah... essa é uma boa estória...

- Naná era de Recife. Você conhece Recife? Eu conheci quando fomos conhecer os pais de Naná. Tive que pedir em casamento ao pai. Homem bruto! Pela crioula eu fazia tudo!

- Quando você ficar mais velho você vai entender.

- Ah... lógico... Conheci muito bandido e ladrão em São Paulo. Lá, já trabalhei de carcereiro. Fiquei até muito amigo de um! Henrique... eu acho que o nome dele era Henrique. Quando saiu da cadeia, foi morto... não sei porque.

- O problema de ficar velho é que você começa a ver todos seus amigos morrendo e você fica pensando: tá chegando a minha vez, tá chegando a minha vez, tá chegando a minha vez... No findar, a aflição dá lugar a uma espera normal. Até hoje, antes de dormir eu penso: tá chegando a minha vez...

- A vida é boa, menino. A vida é boa e é fácil. Tá tudo aí, nas mãos de cada um.

- Uma vez, vi um homem pular de um prédio. O incrível foi que ele não se esborrachou no chão. Ele caiu flutuando igual a uma pena. Falaram que foi a mão de Deus que segurou o homem. Hahaha .

- Oh crioula danada, essa Naná... É o tipo de mulher que cuida do homem que tem...

- Naquele tempo, tudo era uma maravilha, Lucim...

- O problema é que a gente só aprende a viver quando tá velho demais. Hahahahaha.